Parashat Noaj: El Auto-Castigo

Raul Gotlieb para ARI News, en el original en portugués

A atenção ao versículo 9:6 de Bereshit / Gênesis me foi despertada pelo livro “Fractales Bíblicos”, escrito por Karin Neuhauser, uma amiga uruguaia, companheira de estudos nos programas de verão do Shalom Hartman Institute, onde ela, seu marido e eu habitualmente compomos a pequena ilha de 3 sul americanos no meio do oceano formado por mais de uma centena de judeus liberais norte americanos.

Aquele que derramar sangue humano

Por humano seu sangue será derramado

Pois humanos

Foram feitos à imagem de Deus 

O sujeito do primeiro verso da estrofe parece ser claro. “Aquele que derramar sangue humano” é, presumivelmente, um assassino.

Já o sujeito do segundo verso é menos evidente. Qual seria o humano que derramará o sangue do assassino?

Seria um outro humano, dentro de um processo judicial? O Rabino Gunther Plaut (1912-2012) considera que sim, e portanto, traduz a frase assim: “o sangue daquela pessoa deve ser derramado por [outra] pessoa.”

Robert Alter (1935- ) entende da mesma forma, mas ressalta que a justiça será feita por um coletivo e coloca “humano” no plural: “by humans his bood shal be shed”.

 Contudo, o Rabino Hirsch (1808-1888) prefere manter a frase em sua literalidade (tal como está acima) e escreve uma interessante dissertação a respeito do sistema de justiça previsto na Torá, que não seria motivado nem pela necessidade de criar dissuasão, nem pela vontade de vingança e sim para atestar pela dignidade da pessoa criada à imagem e semelhança de Deus.

O Chumash Etz Hayim, da Assembléia Rabínica do Movimento Conservador, publicado em 2001, inclui a visão de que a estrofe não trata apenas de assassinato e inclui também as ofensas (que fazem o sangue fugir da face da pessoa, ao torná-la pálida), além de se posicionar contra a pena de morte: “If every human life is of infinite value, we cannot calculate that is acceptable to sacrifice some lifes for the good of others”.

Não obstante estas bem fundamentadas visões, Karin Neuhauser consegue enxergar uma outra interpretação. Através de um interessante método de análise que combina a matemática dos fractais com a literatura do texto bíblico, ela sugere que o mesmo humano que derrama o sangue de outrem, é também o agente que derrama seu próprio sangue.

Em sua leitura, a Torá afirma que cada malfeito é também um ato de auto destruição: “No se trata de justicia, sino de autoprotección, de que destruir es destruirse”.

Quem está certo? Plaut, Alter, Hirsch, o Etz Hayim ou Neuhauser?

Na minha opinião todos. Esta estrofe tanto pode fundamentar o princípio da justiça, onde cada um deve receber da sociedade uma retribuição conforme o seu malfeito, como afirma que cada humano tem o direito inalienável (por ter sido atribuído por Deus) à dignidade, como também alerta para a inevitável autodestruição provocada por atos insensatos.

Sendo que esta última leitura é menos evidente e mais original. Os frutos da Torá ainda não foram todos colhidos. E talvez nunca o serão.

Shabat Shalom

Raúl Gotlieb es miembro y directivo de Comunidad ARI en Río de Janeiro. Compañero de estudios en el Shalom Hartman Institute en Jerusalém